Entrevista
1 - Você pode se apresentar falando sobre sua arte, suas realizações, colaboradores e como se apresenta a cena de cinema independente na região em que você vive.
Sou o Braun Chulaq, realizo algumas coisas em música experimental, audiovisual e, eventualmente, faço experiências em escultura, luthieria, engenhocas e bricolagens diversas.
Estou baseado no interior de São Paulo, dividido entre as cidades de Descalvado e São Carlos. Comecei a realizar curtas a partir de 2015, como um desdobramento do selo musical Parasita Records, que eu mantinha com a colaboração de André “Loco” de Pieri e Seko Zeru. Ambos se mantém como meus principais parceiros, agora com o acréscimo do músico e sonoplasta Mateus Paludetti, da produtora Interior Ressonante.
Quando começamos o selo Parasita Records em 2013, a cena audiovisual em Descalvado era praticamente inexistente, porém sempre fizemos contatos com artistas de São Carlos e Porto Ferreira, cidades onde haviam bandas e outras iniciativas culturais independentes. Atualmente alguns projetos vem surgindo em Descalvado com o apoio de leis de incentivo, como a Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc – cidadãos locais produziram alguns curtas, animação digital e documentários.
Não tenho nada contra receber incentivo público, porém a maioria das minhas ideias não se encaixa nos requisitos para receber a verba, então vou tentando fazer de maneira comunitária, fazendo contato com artistas de outros segmentos, como teatro, música e artes gráficas.
2 - Conte-nos como foram as filmagens de seu segmento para o “Tropical SOV”.
As imagens originais que usei no meu segmento “O Segredo dos Seus Molhos” foram filmadas em 2023, em um cenário que construí com placas de papelão e sucata, em cima do forro do telhado de casa, onde até recentemente era meu “ateliê” (depósito de props, sucatas e outras porcarias).
Filmei uma autópsia de alien usando um boneco que já foi estrela do meu curta “Viemos em Paz”. Para os efeitos gore usei tripas de látex, órgãos de espuma e sangue preparado de groselha.
Posicionei todos os aparelhos de filmagem que tinha disponível na época: uma handycam, dois telefones e uma webcam de notebook. A ideia era criar um efeito de câmeras de vigilância, com vários ângulos em preto-e-branco – o que foi abandonado na edição final, onde preferi valorizar as cores vivas da carne extraterrestre.
As filmagens brutas, somando todas as câmeras, passaram das 5horas. O maior trabalho foi decupar pra chegar em umas 2 horas de arte e depois selecionar apenas alguns takes super gosmentos, que complementei com imagens de arquivo para criar uma narrativa bem diferente da ideia original.
3 - Teve algum imprevisto durante as filmagens que você gostaria de nos contar (com todos os detalhes sórdidos, por favor).
Os maiores perrengues na verdade já estavam previstos antes de começar as filmagens: calor violento, ativar e cuidar de 4 câmeras simultâneas + efeitos gore, atuação, desidratação e fadiga.
O fato mais chato aconteceu em um momento em que eu já estava pouco lúcido por causa do calor: caguei nas calças e tive que descer pela portinhola do telhado usando avental de açougueiro coberto de sangue de groselha, tentando impedir que a caganeira deslizasse perna abaixo (e sem que os vizinhos de muro vissem a cena). No momento isso não me deixou constrangido, pois a fadiga nesse momento já estava me deixando meio zureta. O problema foi só os arquivos gigantes desse take, já que as câmeras ficaram rodando enquanto em descia do telhado pra me aliviar e tomar banho.
Talvez por essa exaustão traumática eu tenha mantido essas imagens sem uso até agora. Mas o distanciamento do tempo fez eu retomar a coragem de decupar o material com a alegria renovada.
4 - Seus filmes geralmente misturam técnicas de filmagens. Eu gostaria que você falasse sobre seu processo criativo e como se dá essas escolhas estéticas.
Atualmente estou rodando um curta de forma mais organizada, a partir de um roteiro acabado, com decupagem, atores convidados e todo o resto (menos o dinheiro). Porém todas as obras anteriores foram feitas de forma bem caótica.
Gosto bastante de trabalhar com colagens, sempre usando pra complementar imagens originais que foram captadas sem muito planejamento. Normalmente eu ia para o campo com alguma ideia preliminar bastante simples, juntava algum amigo e começava a rodar, nesse processo outras ideias surgiam e eram captadas também. Isso era positivo em termos de aprendizado, mas terrível pra sintetizar algo acabado, então a montagem sempre acaba sendo o verdadeiro momento de criação.
Por tudo isso posso dizer que minhas escolhas estéticas estão condicionadas sempre ao que tenho na mão no momento (em termos materiais e conceituais) e ao estado mental em que me encontro – pra mim a arte acaba tendo um papel terapêutico e pedagógico. Se percebo que não estou aprendendo ou experimentando enquanto crio, desisto da ideia ou deixo de lado para usá-la no futuro, em um monstro de Frankenstein qualquer (como no caso de “O Segredo de Seus Molhos”).
Essa minha experiência atual, mais organizada, só está sendo possível pelos vários macetes, figurinos, objetos cenográficos, faixas musicais e amizades acumuladas nesses anos de atividade. Tornando alguns processos mais fluídos do que se fossem feitos do zero.
5 - Nosso projeto “Tropical SOV” celebra o Shot On Video, que sempre foi uma expressão cinematográfica marginal à produção de cinema oficial e inspirado na filosofia do “Faça Você Mesmo”. Que conselho você gostaria de dar (ou qualquer tipo de ponderação) sobre essa arte tão difícil, mas divertida, de se produzir de maneira independente?
Eu não tenho muitos conselhos a dar, já que estou quase sempre perdido. Uma coisa que acho importante ter em mente pra quem está no underground é: se você começa a produzir algo querendo ser pop, influenciar alguém, ganhar muita grana, ser sexy, e qualquer outro desejo comum a todos nós humaninhos, você vai se frustrar. Arte experimental quando feita por quem não está inserido em alguma elite (intelectual, econômica, etc) não vai te trazer nenhum ganho direto – ao contrário, você perde em vários aspectos.
Acho que esse tipo de arte serve para que os diversos tipos de esquisitos sociais possam construir suas comunidades paralelas, de forma mais ou menos saudável, sob um espírito punk/subcultural – ao invés de acabar entrando em alguma seita ou acampando na porta de quartéis pedindo golpe de Estado.
É claro que as pessoas podem aprender e usar as sacadas técnicas e conceituais que só a loucura pode proporcionar, para criar, paralelamente, produtos comerciais ou mesmo vender sua força de trabalho para outros realizadores. Nesse aspecto, os artistas marginais tem uma vantagem grande em relação aos que seguem o caminho comum, eu acho que quem começa torto pode se aperfeiçoar a ponto de “fazer escola”, mas quem já começa direitinho e limpinho raramente vai conseguir acessar algumas coisas que só uma certa dose de caos psíquico pode oferecer.
Uma coisa bastante pessoal que posso dizer é: se você se sente perdido, mergulhar em alguma forma arte com sua alma aberta para o novo pode te salvar dos aspectos feios e perigosos da loucura.
Ficha técnica
Dirigido, escrito, produzido, filmado e editado por Braun Ridre Chulaq
Trilha sonora: Mateus Paludetti
Estrelado por Braun Ridre Chulaq
Filmado com Sony Handcam CX-240, celulares Galaxy A73 e Motorola MotoG e webcam do notebook Acer Aspire
Entressolho Filmes
Filmografia
Empuxo Profundo (Brasil, 2015, 16.09min)
DiscoTeke (Brasil, 2015, 09:23min)
Sheila ünd Saulo (Brasil, 2015, 08:00min)
As Sementes de Demelak (Brasil, 2015, 12:04min)
Invidiae (Brasil, 2015, 01:11min)
Verve (Brasil, 2015, 04:17min)
Oeste Paulista com Ritchie Cuningham (Brasil, 2016, 07:50min)
Harsh Guerrilla (Brasil, 2016, 03:52min)
O Astro Teen (Brasil, 2016, 01:10min)
A Praga Vermelha (Brasil, 2016, 10:50min)
Filme-Fluido (Brasil, 2016, 05:57min)
A Besta do Parque Luchetti (Brasil, 2016, 03:16min)
Tatu Age 3000 d.C. (Brasil, 2017, 03:26min)
Terror no Planeta EgoSET (Brasil, 2017, 02:52min)
A Grota (Brasil, 2017, 02:25min)
Morbo (Brasil, 2017, 02:08min)
Sono Siderúrgico (Brasil, 2017, 04:46min)
Peixes Não Sentem Dor (Brasil, 2017, 11:29min)
Orgulho Seboso “O império da balada: ao vivo” (Brasil, 2018, 24:50min)
?Parasita Records? (Brasil, 2018, 04:29min)
Documento Parasita: Rota Underground #8 (Brasil, 2020, 72min)
Documento Parasita: Herpes & Pandemônios (Brasil, 2020, 28:06min)
Documento Parasita: Deskaos Fest #2 (Brasil, 2020, 34min)
Viemos em Paz (Brasil, 2022, 24:28min)
A Carta de Doktor Jairo (Brasil, 2024, 20min)
Teiurutau Redux – Música Caipira Psicodélica (Brasil, 2024, 13:43min)
O Segredo dos Seus Molhos (Brasil, 2025, 04:17min)
Dia Vago (em produção);
Não Quebre o Selo Sagrado (em montagem);